Colo Gélido

Por Alexandre Gonçalves*

Eutanásia social no seu auge. Aniquilação de qualquer “subproduto demográfico” que não seja lucrativo. A perturbadora apoquentação em relação a qualquer género de dependentes. Interpretação da vida absurdamente estéril, epidérmica e rasteira.

Compreensão interesseira e em preceitos unicamente económicos e financeiros. Crescentes desequilíbrios sociais e resultados perniciosos. Injunções de um sistema socialmente perigoso e mortífero. Mecanismos de utilidade social adulterados.

Exoneração dos direitos elementares que tinham por obrigação acautelar o bem-estar de todos. Impossibilidade de satisfazer as necessidades primárias. Populações indefesas e óbito social precoce. Estimular a morte de forma espinhosa, embaraçosa e deplorável.

Vértices pouco deleitosos e melodiosos. A labiríntica sociedade moderna e o cunho enorme de indeterminação. Doutrina socioeconómica extraordinariamente excludente. Tenebrosas ondas de morte e marginalização.

A esperança, a confiança e a fé há muito que deixaram de ser as vitaminas. Inexistência de condições mínimas de conforto. Pessoas a viver na rua sem qualquer tipo de auxílio. Vivências estigmatizantes e trincheiras inultrapassáveis.

Ambiente altamente hostil à mudança. Profundas fragilidades e constante exclusão social. Falta de apoio institucional. Estigma da segregação estampado nos rostos.

Reintegração no mundo do trabalho, apenas uma miragem. Penumbras de edifícios emudecidos. A agonia, o silêncio, a solidão, a fome, o frio, os olhos cansados e a roupa rasgada. A hipocrisia e os gabinetes de veludo.

Homens afadigados, pessimistas e escarnecidos. Golpes de impaciência, agastamento e nervosismo no desassossego da privação. Os sonhos transformados em fracassos e numa espécie de contratempo. Luzes ofuscadas pelas trevas da depreciação e forças assombradas.

Suportes inadequados no tempo e no espaço, e elevados índices de descrença. Cidades inundadas de palavras sem honra e de contextos de injúria. Ruas trajadas a sangue, cinismo, morte e fraqueza. Sentimentos desertos e afeições de reduzida beleza.

A necessidade de reformular as políticas sociais e concretizar a verdadeira intervenção social. A configuração curativa tem de estar coligada com a preventiva para diminuir a pobreza e a exclusão. A inexistência de respostas institucionais abrangentes. Homens sem rumo e melancolia infinita.

Labirinto desprovido de carinho, amizade ou amor. Perder a individualidade na parca cadência dos passos. Sonhar e acreditar, infelizmente ainda são contextos desconhecidos para milhares de pessoas. Nuvens carregadas.

Fadiga na atmosfera e sinuosidade no chão. Ter pouca ambição e um carisma asfixiado. Os raios solares e a mais sublime canção afinal não existem. Procurar o destino num mapa rasgado.

Consumir sinais de pecado. O som do silêncio desfila nas ruas escuras. Trazer por dentro o Inverno e os sentimentos que ninguém apazigua. A necessidade de estar atento às propostas ideológicas que ameaçam a humanidade.

Vivemos tempos conturbados e de crise. Pedagogia que promova o espírito de fraternidade. Inquietação, perseguição, insularidade e raiva. Sociedade desigual e desarrumada, tantas famílias destruídas.

Perpetuar o desastre, a derrota e o vento forte. Paisagem desenhada a lágrimas e o brilho que teima em não aparecer. Amuleto do azar, portão sem edifício e esperança esmorecida que se apaga. A luz ao fundo do túnel está cada vez mais distante, colossal desumanidade.

Dúbias referências temporais e espaciais. Corpos de arremesso, barcos à deriva e portos fechados. Rostos de desalento. Esperar ansiosamente pelos raios solares, acalmar a ira e procurar mergulhar na claridade.

 

*Escritor e Técnico Superior na Divisão de Educação da Câmara Municipal da Guarda 

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