8 Feb 2023, 0:00
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A escolha de João Neves para a presidência do conselho de administração dos Portos do Douro, Leixões e Viana do Castelo (APDL) está a provocar um terramoto político entre os socialistas do distrito do Porto. Segundo noticia o Porto Canal, o nome do atual presidente das Águas do Alto Minho (AdAM) não caiu bem junto da distrital liderada por Eduardo Vítor Rodrigues.
João Neves foi a opção do Ministro das Infraestruturas João Galamba para render Nuno Araújo na presidência da APDL. O antigo chefe de gabinete de Pedro Nuno Santos abandonou o cargo por iniciativa própria a 31 de dezembro, data em que o lugar foi interinamente assumido pela vogal Cláudia Soutinho.
No entanto, o futuro da APDL está longe de reunir consensos. Fonte ligada ao processo, adiantou à estação de televisão do Porto, que até à demissão de Pedro Nuno Santos a nomeação de Miguel Lemos Rodrigues, atual presidente das Águas de Gaia, era praticamente certa. Mas a saída de Pedro Nuno na madrugada de 29 de dezembro precipitou um recuo no processo. Em visita ao Porto, a 17 de janeiro, o novo ministro das Infraestruturas João Galamba trouxe a primeira alternativa – Cláudia Soutinho, que terá levantado resistências e provocado um novo revés. João Neves acabaria por ser indicado por Galamba, com o apoio da autarca de Matosinhos, Luísa Salgueiro, e a graça do ex-ministro e ex-presidente da APDL, Matos Fernandes, no final de janeiro.
João Neves foi chefe da divisão de obras da APDL entre 1999 e 2013, ano em que abandonou a empresa para emigrar para Moçambique, onde já se encontrava João Pedro Matos Fernandes. Por esta data, o ex-ministro do Ambiente trabalhava para as empresas Terminais do Norte e Portos do Norte, tendo chegado a assumir a gestão do Porto de Nacala, no norte de Moçambique. A proximidade entre ambos é pública, e fonte próxima garantiu ao Porto Canal que Matos Fernandes terá tido uma influência determinante na decisão do seu anterior secretário de estado e agora ministro das Infraestruturas João Galamba.
O novo presidente da APDL regressou de Maputo, onde desempenhou funções de Diretor de Engenharia e membro do Conselho Executivo da Sociedade de Desenvolvimento do Porto de Maputo, em 2017, pela mão de Matos Fernandes. Primeiro, como administrador executivo das Águas do Douro e Paiva e da SIMDOURO (2017-2020), depois, já com Galamba como Secretário de Estado do Ambiente, como administrador executivo das Águas de Portugal (2020-2022). Chegou ainda a presidente das Águas do Alto Minho (2022-2023) na era de Duarte Cordeiro.
A realidade da APDL é também bem conhecida de Matos Fernandes. O engenheiro, especialista em transportes e com vasta experiência no domínio da gestão portuária, foi vogal do conselho de administração da empresa entre 2005 e 2008 e presidente entre 2008 e 2012.
A influência do ex-ministro do Ambiente na nomeação de João Neves não é bem vista entre os socialistas críticos da escolha. Um dirigente do partido lembrou que Matos Fernandes está agora dedicado “aos negócios” (foi anunciado como consultor da Abreu, uma influente sociedade de advogados de Lisboa) e que deveria “manter-se afastado da vida política”, apontando para potenciais conflitos de interesse envolvendo entidades com interesses económicos no porto.
Em ebulição, o secretariado distrital do PS reuniu na manhã de sábado, tendo o tema do novo presidente da APDL dominado o encontro partidário. Eduardo Vítor Rodrigues foi porta-voz do mal-estar provocado pela escolha de João Neves em detrimento de Miguel Lemos. E o alvo do também presidente da Câmara de Gaia e da Área Metropolitana do Porto não foi apenas João Galamba. Luísa Salgueiro, que alinhou na escolha do ministro das Infraestruturas, terá sido objeto de duras críticas por parte do líder da distrital do PS Porto.
De acordo com um membro do secretariado presente na reunião que preferiu não se identificar, Eduardo Vítor terá acusado a colega de Matosinhos de “deslealdade”, por ter participado numa escolha que já estava previamente acertada. Já João Galamba — assegurou o líder da distrital aos restantes secretários — nunca terá consultado os órgãos do partido sobre o futuro da APDL.
Ao presidente da distrital juntaram-se outras vozes críticas dentro do secretariado, como a de Joel Azevedo, presidente da Associação de Comerciantes do Porto e próximo de Manuel Pizarro. Também o facto de João Neves ser próximo do PSD é argumento entre os críticos da sua indicação.
Além de ser o preferido da distrital socialista do Porto, Miguel Lemos Rodrigues é também sobrinho de José Lemos, conselheiro informal, amigo, homem da confiança e do núcleo restrito de António Costa. Lemos, que chegou a estar à frente das finanças do partido no tempo de Guterres, é consultor de negócios, associado e fundador da Clearwater International Portugal, e intermedeia operações societárias, como vendas e fusões, entre grandes empresas.
Licença sem vencimento levanta dúvidas
João Neves é quadro da APDL desde 1999, mas o gestor está afastado da empresa há praticamente uma década, ao abrigo de uma licença sem vencimento que submeteu nos termos do estatuto do gestor público. Inicialmente pelo prazo de dois anos, para se deslocar para Moçambique, a licença foi sendo sucessivamente prolongada.
Segundo o jornal online ECO, que avançou com a notícia em primeira mão a 31 de janeiro, a legalidade da licença sem vencimento de João Neves está a ser questionada no seio da APDL, podendo mesmo vir a ser anulada.
Contactada pela estação de televisão do Porto, a Águas do Alto Minho fez saber que João Neves não fará qualquer comentário às notícias da nomeação.
O nome de João Neves já terá seguido para a Comissão de Recrutamento e Seleção para a Administração Pública (CReSAP). Cláudia Soutinho e Joaquim Gonçalves mantêm-se vogais da administração.