7 Aug 2022, 0:00
397
Gabinete de D. Manuel Clemente recusa quaisquer comentários à notícia que dá como certo que o Patriarca de Lisboa apresentou ao Papa um pedido de renúncia ao cargo. Francisco terá segurado o cardeal, mas escândalo dos abusos sexuais está a abalar a hierarquia católica portuguesa.
"Profundamente triste e agastado" o cardeal Patriarca de Lisboa, D. Manuel Clemente, foi a Roma - em audiência privada, realizada a seu pedido - apresentar ao Papa a renúncia ao cargo. A notícia fez, no sábado, a manchete do jornal Nascer do Sol que, citando uma fonte próxima do Patriarca, revela ainda que Francisco segurou o cardeal português, pedindo-lhe que se mantivesse no cargo até às Jornadas Mundiais da Juventude, que se vão realizar em Lisboa em agosto do próximo ano, noticia o Expresso.
O Gabinete de D. Manuel Clemente, recusa quaisquer comentários e não esclarece sequer se o assunto da renúncia constou da agenda do encontro, realizado, ontem, em Roma. O que não seria de estranhar, aliás, já que, no passado dia 22 de julho, o cardeal Patriarca de Lisboa assumiu publicamente a vontade de se retirar do cargo, logo após as Jornadas da Juventude. Em entrevista à Rádio Renascença, D. Manuel Clemente dizia encarar com "naturalidade" a resignação, alegando estar prestes a completar 75 anos e sentir que Lisboa precisava de "um bispo mais jovem". "Eu nasci na primeira metade do século passado e, por mais que se queira, a mentalidade, a maneira de viver e de conviver, de agir e de interagir, toda esta parafernália moderna de comunicação, já não é o que está na minha cabeça", disse, assumindo "ser de outro tempo".
Mas, de então para cá, "a parafernália moderna da comunicação", como D. Manuel Clemente lhe chamou, virou os holofotes em direção ao Patriarca, que se viu, nas últimas semanas, por diversas vezes envolvido no alegado encobrimento de casos de abusos de menores cometidos por sacerdotes da diocese de Lisboa. Segundo o Nascer do Sol, o cardeal lamenta "passar de bestial a besta após 50 anos de missão na Igreja" e, mesmo colocando a hipótese de renúncia ao Papa, reiterou a Francisco que agiu sempre cumprindo as diretrizes traçadas pela Igreja nas várias épocas.
ESCÂNDALOS SEGUIDOS
O Patriarcado limitou-se a, em nota oficial emitida na sexta-feira, a dar conta da "audiência privada, no Vaticano" realizada a "pedido do cardeal Patriarca". O encontro com o Papa "realizou-se num clima de comunhão fraterna e num e num diálogo transparente sobre os acontecimentos das últimas semanas que marcaram a vida da Igreja em Portugal", diz a lacónica nota.
Sem qualquer referência ao tema dos abusos, o facto de o Patriarcado referir como baliza temporal dos temas abordados com Francisco "as últimas semanas", torna implícita a referência de que o assunto esteve em cima da mesa. Aliás, a representação diplomática do Vaticano em Portugal fez, naturalmente chegar ao Papa informações sobre a situação, através do núncio colocado em Lisboa, que tem como missão manter Roma informada de todos as matérias que envolvam a vida da Igreja.
Há uma semana, o jornal Observador revelava em manchete que o cardeal Patriarca não deu seguimento a uma denúncia de abuso a um menor, praticado nos anos 90. D. Manuel Clemente recebeu a vítima - 30 anos depois do abuso e já com 40 anos de idade - mas não o comunicou, nem às autoridades civis, nem às comissões responsáveis pelas investigações aos casos de abusos praticados pela Igreja.
O Patriarca recusou, na altura, dar explicações ao Observador e, dois dias mais tarde e já debaixo de intenso fogo mediático, acabou por dirigir uma carta aberta aos lisboetas, onde em tom de "lamento" veio tentar esclarecer os "muitos equívocos e perplexidades" que o assunto motivou.
Mas, poucos dias mais tarde, o próprio Patriarcado veio a público assumir que um sacerdote da diocese de Lisboa tinha sido suspenso de funções, depois de ter sido apresentada em tribunal uma queixa por violação, entregue por uma mulher com quem o padre tinha mantido uma relação amorosa antes de ter sido ordenado. Os escândalos a atingir D. Manuel Clemente não ficariam, porém, por aqui. Esta sexta-feira, no Telejornal da RTP, era revelado um outro caso, ocorrido em 2003, quando o atual Patriarca era reitor do Seminário dos Olivais e bispo auxiliar de Lisboa. A RTP revelava que D. Manuel sugeriu a responsáveis dos escuteiros que apresentassem a demissão, depois de estes terem apresentado queixa contra um sacerdote suspeito de abuso de menores e que já tinha sido afastado de outra paróquia, por idênticas acusações.
A polémica em torno dos abusos da Igreja não caiu, apenas, sobre os responsáveis da diocese de Lisboa. Esta semana, o Expresso faz manchete com a notícia de que, também o bispo emérito de Setúbal, Gilberto Canavarro dos Reis, teria tido ocultado das autoridades judiciais queixas de abusos de menores cometidos por um padre que ainda se encontra no ativo. Em comunicado, a diocese de Setúbal reagiu, garantindo que foram feitas todas as investigações canónicas e ouvidos todos os intervenientes e que só após um decreto emanado pela Santa Sé o padre foi "ilibado" e autorizado a voltar "a exercer o seu ministério, com o ofício de pároco".