31 Jan 2022, 0:00
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OPINIÃO
Por Gustavo Pires*
Quando vi na televisão Rosa Mota abraçada a António Costa, dei por mim a pensar que o futuro Governo (social-democrata na classificação do Primeiro-ministro espanhol Pedro Sánchez ) vai ter de decidir se, em matéria de políticas públicas para o desporto, continuará com a atual burocracia despesista que é o programa de preparação olímpica, concebido à margem de uma lógica de desenvolvimento do desporto nacional da qual, segundo é publicamente notório, Rosa Mota teve o bom senso e a inteligência de se afastar, ou se vai desencadear uma verdadeira política desportiva centrada, na juventude, nas famílias, nas escolas, nos clubes, nas Federações Desportivas e nas responsabilidades inalienáveis da tutela político-administrativa. Porque, para além da conceção esquerdista que desde há quase vinte anos domina o desenvolvimento do desporto, centrada numa concepção ideológica de tipo gramsciano em que a sociedade se confunde com o Estado e o Estado com a sociedade, o que agora está em causa é a construção de uma visão social-democrata do processo de desenvolvimento do desporto a partir da referida linha de ação institucional onde, através de uma geometria variável às diversas práticas, deve acontecer o desporto nacional.
Por isso, o futuro Governo de António Costa, desta feita sem desculpas, vai ter de decidir se quer elevar o Nível Desportivo nacional que se situa abaixo dos 40% sem a medalha cubana ou, seguir o exemplo da Finlândia ou o da Dinamarca com Níveis Desportivos acima de 70% e respetivamente duas e onze medalhas em Tóquio (2021) para além das mais altas taxas de Prática Desportiva da EU ou, pelo contrário, vai continuar com o estuporado modelo instituído em 2004/2005 pelos governos de Barroso e Santana que, com uma taxa de descarte da prática desportiva dos jovens portugueses aos dezoito anos de idade que, em algumas modalidades, chega a ultrapassar os 90%, está a destruir o tecido desportivo nacional e, inutilmente, a seguir o exemplo da Bulgária com seis medalhas nos Jogos Olímpicos de Tóquio (2021) e um Índice de Prática Desportiva de (16%) (a mais baixa da UE) ou da Roménia com 19% de prática desportiva e quatro medalhas em Tóquio (2021).
Mas atenção, os responsáveis pela tutela político-administrativa do desporto do próximo Governo, a fim de começarem a alterar a desgraçada situação em que o desporto nacional se encontra, não têm necessidade de se deslocar à Finlândia que fica longe e sai caro. Basta-lhes deslocarem-se aqui ao lado a Madrid (só são cerda de 600 km de autoestrada) a fim de se aperceberem do que aconteceu no desporto espanhol desde que Benito Castejon Paz, no final dos anos setenta, concebeu e desencadeou o futuro do desporto espanhol que, ao tempo, apresentava um Nível Desportivo de 19,94%. Hoje, o desporto espanhol tem um Nível Desportivo superior a 60% uma Prática de Base de 43% da população (15-64) e ganhou 17 medalhas nos Jogos Olímpicos de Tóquio (2021).
Perante a oportunidade que é a de o País, nos próximos quatro anos, funcionar com um governo suportado numa maioria parlamentar, os dirigentes das Federações Desportivas, devem recusar o discurso do “queremos mais dinheiro” sem se saber onde é que vai ser aplicado, mas sabendo-se que, muitas vezes, é muito mal aplicado, para, em alternativa, começarem a conceber uma verdadeira reforma para o desporto nacional na certeza de que não é nem com os mesmos processos, nem com as mesmas pessoas, que andam há vinte anos a chorar lágrimas de crocodilo, que algum dia o desporto sairá da miséria e triste vergonha em que se encontra. E não se pense que tudo pode mudar em dois ou três anos. Os estragos desencadeados nos últimos anos são de tal ordem que vai levar muitos anos até que o desporto nacional esteja verdadeiramente ao serviço dos portugueses e do desenvolvimento do País. Por isso, o melhor é os presidentes das federações desportivas não perderem mais tempo com conversas de encantar incautos e deitarem mãos à obra. Rosa Mota podia e devia ser o catalisador de tal processo.
(Atualizado em 2022-02-03)
*Professor jubilado da Faculdade de Motricidade Humana